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Toquinho

ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA

O CADERNO

Toquinho

Sou eu que vou seguir você

Do primeiro rabisco até o beabá.

Em todos os desenhos doloridos vou estar

A casa, a montanha, duas nuvens no céu

E um sol a sorrir no papel…

Sou eu que vou ser seu colega

Seus problemas ajudar a resolver

Te acompanhar nas provas bimestrais você vai ver

Serei, de você, confidente fiel, se seu pranto molhar meu papel…

Sou eu que vou ser seu amigo

Vou lhe dar abrigo se você quiser

Quando surgirem seus primeiros raios de mulher

A vida se abrirá Num feroz carrossel

E você vai rasgar meu papel…

O que está escrito em mim comigo

Ficará guardado se lhe dá prazer

A vida segue sempre em frente

O que se há de fazer…

Só peço  a você

Um favor se puder

Não me esqueça

Num canto qualquer.

CADERNO – ANÁLISE

Esta música, de autoria de Toquinho, faz parte de um álbum dedicado às crianças, intitulado Casa de Brinquedos, que também deu nome ao um show exibido pela Rede Globo, em 1983, para homenagear os baixinhos.

Com ela, Toquinho, faz uma belíssima homenagem ao velho companheiro de meninas e meninas, durante várias fases da vida.

E essa paixão pelo caderno começa logo cedo, muito antes das primeiras letras.

Já na infância, a criança percebe que ela pode transpor para aquelas folhas em branco a codificação do pensamento. Se dá conta que todas as imagens e ideias poderão ser impressas no papel, o qual guardará por um longo tempo tais informações, desde que bem preservado.

De posse dos conteúdos reservados ou até mesmo secretos do possuidor, o caderno passa a ser alvo de controle, não podendo cair nas mãos de pessoas indesejadas, por isso mesmo que algumas meninas põem até cadeado naquele que exige maior restrição ou o guardam em esconderijo ou lugar inacessível.

Tudo começa ao chegar nas mãos do estudante, e aquele cheirinho de coisa nova do início de cada ano letivo ficará na memória para sempre. Logo ele começa a ser preenchido, passando a conter anotações, exercícios e até as confidências sobre os primeiros amigos e amores.

Por isso o caderno remonta milhares de lembranças guardadas, como um  velho baú de saudades.

“Sou eu que vou seguir você

Do primeiro rabisco até o beabá

 Em todos os desenhos coloridos vou estar

A casa, a montanha, duas nuvens no céu

E um sol a sorrir no papel…”

A mãe, logo que pode, entrega na mão da criança o primeiro caderno, na intenção que ela possa ter o primeiro contato com aquele que será companheiro por longa data.

Aos poucos, a criança vai se dando conta que ali poderá soltar a imaginação, que a linguagem não verbal e verbal podem ser codificadas sob a forma de letras e que o caderno irá servir de uma espécie de reservatório de ideias e pensamentos.

Enquanto isso, ela irá riscando e rabiscando, aprendendo a escrever cada letrinha e depois a fazer associações de letras e de palavras.

Não só isso, descobrirá também que uma imagem fala por mil palavras. Por isso mesmo se comunicará também por meio de desenhos.

Nessas primeiras artes, com certeza ali estará “a casa, a montanha, duas nuvens no céu e um sol a sorrir no papel”.

Digo isso porque sei que alguns atos são universais, principalmente estes, que têm a ver com o desenvolvimento da psquê humana.

“Sou eu que vou ser seu colega

Seus problemas ajudar a resolver

Te acompanhar nas provas bimestrais você vai ver

Serei, de você, confidente fiel, se seu pranto molhar meu papel…”

O caderno é sem dúvida o amigo inseparável do estudante. Ele está presente em todos os momentos, dos apontamentos das matérias aos exercícios, às provas mensais, bimestrais e finais.

Ele não somente serve de suporte do conhecimento intelectual, mas também ampara e consola nas horas em que o coração fala mais alto. Na alegria ou na tristeza, é o confidente fiel, servindo, inclusive, para absorver as lágrimas de um possível pranto ou de um simples desabafo.

“Sou eu que vou ser seu amigo

Vou lhe dar abrigo se você quiser

Quando surgirem seus primeiros raios de mulher

A vida se abrirá Num feroz carrossel

E você vai rasgar meu papel…”

Como amigo, sempre disponível, pronto para sempre dar a mão, conduzindo a menina até que ela se transforme numa linda mulher.

O carrossel representa o fluxo cíclico e contínuo da vida. É nele que adultos e crianças se divertem. Montado no cavalinho, subindo e descendo, pequenos aventureiros se lançam para a frente.

Como os relacionamentos amorosos, nos quais nos divertimos e nos alegramos quando estamos bem no alto, felizes; só que noutras vezes podemos estar na parte baixa, em pranto ou vivendo algum aperto.

Nessa hora não entendemos o mover da vida e o motivo de tanto sofrimento. Chateados, sentimos vontade de eliminar os vínculos daquela relação e achamos que rasgar o papel do caderno resolve tudo, justo aquela folha que guardava a lembrança daquele primeiro amor ou de um momento feliz.

“O que está escrito em mim comigo

Ficará guardado se lhe dá prazer

A vida segue sempre em frente

O que se há de fazer…”

Guardador de segredos, como um container de confidências íntimas, o papel, passiva e gentilmente, recebe toda mensagem escrita, como um anfitrião a dar boas-vindas.

Ele não é apenas um suporte com riscas paralelas para se fazer os apontamentos escolares. Aquelas brancas linhas podem guardar mais que isso, além de simples dicas do professor sobre uma determinada matéria.

As meninas, por serem mais emotivas, não se separam dele jamais, guardam um especial ou vários, tudo com muito carinho para depois reviver as mais doces lembranças.

Tudo ficará ali, arquivado, até quando for conveniente, mesmo quando aquilo já não tiver tanta importância pela oportunidade passada.

É assim que tudo se dá, porque a vida segue seu rumo, não para.

“Só peço  a você

Um favor se puder

Não me esqueça

Num canto qualquer.”

O caderno, na personalidade do amigo e companheiro inseparável, também tem sentimentos e se ofende com a infedilidade, com o desprezo ou abandono.

Como que prevendo o fim da relação ou sabedor de que tudo um dia termina, suplica:

“Não me esqueça num canto qualquer”!

Autor José Maria Cavalcanti